terça-feira, 22 de julho de 2014

De trem pela Índia : uma experiência (in)esquecível !!


Antes mesmo de iniciar nossa viagem, ainda na fase de planejamento, decidimos que iríamos visitar a maior parte dos países por conta própria. Várias razões justificavam essa decisão : uma maior oportunidade de penetrar com mais profundidade na cultura local, mais liberdade para ficar o tempo que quiséssemos em um local interessante, ou menos em um que não nos agradasse, economia de fundos, enfim, só víamos vantagens na "viagem solo" em uma turnê tão longa. 


Mas toda regra tem sua exceção e a Índia, por tudo que ouvíramos falar a respeito antes da nossa viagem começar, era um país que faria parte deste grupo! Seja quem amou, seja quem odiou o país, era unânime em afirmar que se deslocar por este imenso país sem o suporte de algum "local" ou de uma agência especializada era pedir para ter dor de cabeça. Sendo assim, contratamos um tour nestas 2 semanas em território indiano. Nosso espírito aventureiro restante, entretanto, não nos permitiu contratar um tour tradicional, em hotéis confortáveis, transportados em ônibus com ar condicionado, voando sempre de avião... Contratamos um tour com uma agência australiana chamada Geckos, especializada em uma espécie de "turismo de imersão", em que os hotéis são mais simples, visitamos locais que as agências de turismo regulares não costumam frequentar, temos muito contato com a população local e... utilizamos os transportes básicos locais!! E entre tuk tuks, riquixás, ônibus e jipes, estão também os trens... para nossa "alegria"!


Bom, nossa primeira experiência foi o percurso entre Nova Delhi e Varanasi, de aproximadamente 790 Km de distância. Toda confusão já começou na chegada à estação de trem, quando (pela primeira de inúmeras vezes) fomos "salvos" pelo nosso guia. Assim que descemos da van que nos levou ao terminal de trens, logo fomos abordados por vários indianos que perguntavam : "Estação de trem? Não é aqui não, é por ali...", diziam apontando para a direção oposta ao caminho que deveríamos seguir, com nossas malas e mochilas. Não sei se havia alguma intenção de violência, provavelmente seríamos guiados até alguma loja onde tentariam nos vender a mais diversa sorte de tralhas e quinquilharias, mas só pelo fato de nos darem uma informação errada, sem sequer termos pedido, já nos deixou com um pé atrás pelo resto da viagem. Como disse, nosso guia surgiu no meio da multidão e nos "resgatou".



A estação de trem é também mais uma "armadilha para turistas independentes", a começar pelas placas de orientação; as poucas que existem estão penduradas por fios de arame e estão escritas somente em sânscrito!! Sem o guia seria realmente impossível descobrir qual das dezenas de plataformas era a correta e perguntar para alguém já havíamos aprendido que não era uma boa ideia. Aliás, a sorte realmente sorri para alguns. Neste mesmo dia vimos um coreano, sozinho e com uma cara de desespero, olhando para a sua passagem e tentando decifrar qual a plataforma correta para seu embarque. Vocês devem imaginar a cara de felicidade dele ao ver aquele monte de estrangeiros chegando! Com a ajuda de Guru (nosso guia) ele conseguiu descobrir que seu trem ficava na plataforma ao lado, era só atravessar os trilhos... "Atravessar os trilhos?? Mas e essa passarela, não dá para ir por ela?", perguntou o incrédulo coreano, sem saber que a passarela é muito mais segura, mas não é a menor distância entre dois pontos em uma estação de trem indiana... "Dá, mas por que você vai usá-la? É só seguir por aqui!", respondeu Guru, apontando para os trilhos, sem entender a lógica oriental daquele perdido coreano... Depois de uma volta ao mundo você consegue entender como duas pessoas podem estar certas... estando erradas!!


Bom, voltando à nossa plataforma, não precisamos dizer que estava lotada de gente, certo? Pontualmente (sim, para sair o trem é extremamente pontual!) chegou nosso trem. Sabe aqueles trens indianos que vemos nos filmes? Então, era um desses! Caindo aos pedaços, com toda lataria de um azul enferrujado, era dividido em primeira, segunda e terceira classes. A terceira é a que vemos nas revistas da National Geographic, com pessoas entrando pelas janelas e se apertando em 6 ou 8 pessoas em bancos onde mal cabiam 2! Isso sem contar os que vão em pé. Como entramos logo, não deu para ver se foram passageiros no teto... Na segunda classe a única diferença é que as janelas não foram arrancadas e as pessoas não conseguem entrar por ela (a não ser as muito, muito magras!). A primeira, que era a nossa, era formada por vagões-leito, com ar condicionado e uns bancos formando beliches, que eram as camas, e tinham cerca de 1,75 metros... bom, essa é altura da Pati e 10 cm menor do que a minha! Resultado: o pouco sono que tive durante a viagem era constantemente interrompido pela cabeça de algum indiano colidindo com meus pés!


Mas não era só esse o único impedimento para um sono tranquilo. Primeiramente, a luz permanece o tempo todo acesa, por questão de segurança. Aliás, por questão de segurança, fomos orientados a :
- prender com cadeados nossas mochilas a alças próprias para isso, localizadas na parte de baixo das "camas" (os próprios indianos tomam essa precaução)
- fechar as cortinas durante a noite e cobrir-se, mesmo se estivesse calor, especialmente as mulheres. Nesse caso, explicou-nos Guru, era para evitar a cobiça dos homens indianos. Se eles não conseguem saber se é um homem ou uma mulher embaixo das cobertas, não ousam mexer... mas se vêem uma perna feminina exposta... Aliás, por este mesmo motivo, recomendavam às mulheres não irem desacompanhadas ao banheiro do trem durante a noite... Tranquilizador não?



Por falar em banheiro, este é um capítulo a parte... Seguindo o padrão asiático, o banheiro nada mais é que um buraco no chão do trem, com acesso direto aos trilhos! Mas não sei se por preguiça, urgência, deficiência visual ou simplesmente hábito, o buraco não era o alvo preferido dos dejetos líquidos ou sólidos... Mas ele era limpo ao longo do percurso, por 2 vezes em 14 horas!! Aqui também cabe uma curiosidade interessante. Logo após uma das paradas, surgiu, como um raio, um rapaz com uma vassoura, um pano molhado e um saquinho de lixo. Nossos pés foram rapidamente varridos e molhados, o lixo recolhido e ele desapareceu 15 segundos após. Mais 30 segundos se passaram e, tão rápido quanto o limpador, aparaceu o pesquisador! Sim, um papelzinho com uma pesquisa de satisfação a respeito da limpeza do trem nos era fornecido para preencher (bem rapidamente), enquanto o rapaz ficava monitorando a resposta... por via das dúvidas todos deram nota máxima, vai que ninguém mais limpasse o nosso lado por vingança contra uma nota baixa! Bom, todos deram 10 e nenhum limpador apareceu novamente nas 7 horas seguintes...


Mas mesmo com todo esse "esforço" do pessoal da limpeza, o trem é bem sujo e o motivo é o mesmo de sempre : o hábito arraigado na cultura local de atirar sujeira no chão. Nosso guia mesmo, bem mais habituado aos "hábitos ocidentais", amassou o pacote de papel onde vinham os lençóis e atirou no chão, bem no meio do corredor. Indignada, uma australiana que estava no nosso grupo o advertiu e recebeu como resposta : "Não se preocupe, alguma hora alguém passa e recolhe o papel".
Aliás, a palavra dentro de um trem indiano é essa : passar! O tempo todo, seja lá qual for o horário, você pode encontrar alguém passando pelo corredor, em alguns momentos até mesmo com congestionamento! Vendedores de chai (o chá com leite e canela que domina o país), de bugigangas, de jornais, de comida... Isso quando não resolvem tirar todo o atraso de conversa em frente à sua "cama"... ou cantar músicas tradicionais indianas e tocar violão, às 03 da manhã... Na verdade, a única coisa que não passa dentro do trem é o tempo!!
Foram 3 viagens de trem, nesses 15 dias por lá, e em cada uma tivemos um aprendizado diferente; acho até que se houvesse mais uma não sofreríamos tanto, já conhecendo as "manhas". De qualquer modo, foi uma experiência das mais diferentes que tivemos e que atendeu bem ao nosso objetivo de imersão na cultura local e nos ajudou a entender um pouco mais como vivem os habitantes deste país, diferente de tudo que conhecemos até hoje!



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